AINDA ESTOU AQUI

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AINDA ESTOU AQUI, filme brasileiro que estreou oficialmente na França em 15/01/2025

Assistir ao filme Ainda Estou Aqui é como degustar um excelente vinho: a gente vai bebendo aos poucos, se deliciando entre a secura do tanino e aquela sensação de desce-redondo que se iniciam com a feliz surpresa do primeiro gole e vão se intensificando ao longo da degustação para, finalmente, explodir em “bouquet” no derradeiro trago.

A mão do diretor Walter Salles, que só anda na mais fina companhia, é de uma delicadeza impressionante. Com nada fora do lugar, nenhum mínimo excesso, vai tocando em tudo, sem a gente perceber. E quando se dá conta, já está envolvido em todas as dimensões – histórica, poética, simbólica, estética, política, mas essencialmente humana do drama da família Rubens Paiva.

Como num jogo de matrioskas, as imagens em série vão-se desdobrando entre o micro e o macro numa construção que desenha e combate, ao mesmo tempo, a gênese do esquecimento do período mais sombrio da História do Brasil.

Vale as 8 categorias em que está indicado ao Oscar: Melhor Filme, Filme Internacional, Direção, Roteiro Adaptado (Murilo Hauser e Heitor Lorega), Atriz (Fernanda Torres), Ator Coadjuvante (Selton Mello), Fotografia (Adrien Tejido) e Montagem (Affonso Gonçalves). Nota 10 em tudo. Cinema grande, que eleva o Brasil à categoria de excelência em produção de arte, cultura, sensibilidade e pensamento. E ao mesmo tempo nos resgata e restitui ao mundo o interesse pela beleza sinistra de nossa Memória que o negacionismo insiste em apagar. Sem, no entanto, ferir as suscetibilidades de quem não está, por assim dizer, do lado certo dessa nossa triste História.

Impossível não se deixar tocar pelas mãos desses grandes mestres da sétima arte. Ninguém sai ileso da passagem por esse túnel do Tempo feito de imagens encaixadas numa sala de cinema.

A TRAMA

O filme conta a história da família de Rubens Paiva, ex-deputado cassado após o golpe militar de 1964 e desaparecido após ser sequestrado de sua casa pelo regime militar em 1971. No centro da trama está Eunice (interpretada por Fernanda Torres), esposa de Rubens (encarnado por Selton Mello) e mãe de 5 filhos.

Embora o foco da trama seja a família Paiva, seu modo de funcionar e de reagir ao drama do desaparecimento do patriarca, o filme mostra um panorama do Brasil durante os anos de ditadura militar (1964-1985). A felicidade da família Paiva, de classe média alta, que morava no Rio de Janeiro, contrasta com o ambiente de tensão do movimento armado nas ruas controladas pelo exército.

A protagonista, Dona Eunice Paiva, tem que lidar com o desaparecimento do marido. Ao mesmo tempo em que protege os filhos, luta para obter informações sobre o paradeiro de Rubens. Sua trajetória, que passa de dona de casa a militante pelos direitos humanos, é admirável e comovente.

 

PREMIAÇÕES  

Selecionado para mais de 50 festivais internacionais e nacionais, Ainda Estou Aqui, até a data de hoje (19/12/204), já ganhou sete prêmios:

– Melhor Roteiro no 81º Festival de Veneza, na Itália

– Melhor Atriz em Filme Internacional para Fernanda Torres no Critics Choice Awards, nos Estados Unidos

– Melhor Filme na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Brasil

– Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema de Vancouver, no Canadá

– Melhor Filme no Festival de Cinema de Mill Valley, nos Estados Unidos

– Prêmio do Público no Festival De Pessac, na França

– Prêmio Danielle Le Roy, eleito pelo Júri Jovem, no Festival De Pessac, na França.

 

SAIBA MAIS

 O QUE FOI O GOLPE MILITAR DE 1964

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Policiais perseguem estudante no dia que ficou conhecido como « sexta-feira sangrenta », no Rio de Janeiro [1]

Crédito da Imagem: Evandro Teixeira/Instituto Moreira Salles

 « O Golpe Civil-Militar de 1964 é o nome que se dá à articulação golpista que, entre 31 de março e 9 de abril de 1964, realizou a tomada de poder, subvertendo a ordem existente no país e dando início à Ditadura Militar, regime ditatorial que se estendeu no Brasil de 1964 até 1985 e foi caracterizado por censura, sequestros e execuções cometidas por agentes do governo brasileiro. Durante o golpe realizado em 1964, o presidente então empossado, João Goulart, foi destituído de seu cargo. » – extraído de  https://brasilescola.uol.com.br/historiab/golpe-militar.htm

De acordo com o relatório BRASIL: NUNCA MAIS, a mais ampla pesquisa realizada pela sociedade civil sobre a tortura política no país, pelo menos 1.918 prisioneiros políticos afirmaram ter sido torturados entre 1964 e 1979. O relatório descreve 283 formas de tortura utilizadas pelos órgãos de segurança.

Conforme a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da SEDH-PR – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – pelo menos 50 mil pessoas foram presas nos primeiros meses da ditadura militar e cerca de 20 mil brasileiros sofreram torturas.

Os perseguidos, torturados, presos, desaparecidos ou exilados nesse período não foram somente os políticos e ativistas que se opunham ao regime militar, mas também muitos estudantes, intelectuais e artistas.

O NEGACIONISMO NO BRASIL

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Charge de Iotti: o mundo gira! – publicada no jornal Zero Hora em 09/06/2018

Segundo a definição da Academia Brasileira de Letras, negacionismo é uma “atitude tendenciosa que consiste na recusa a aceitar a existência, a validade ou a verdade de algo, como eventos históricos ou fatos científicos, apesar das evidências ou argumentos que o comprovam”.

O negacionismo da ditadura militar é um movimento presente nos círculos políticos de extrema-direita e ultraconservadores no Brasil. Trata-se de justificar, relativizar e até negar os crimes, violações dos direitos humanos e ações antidemocráticas que ocorreram durante a ditadura militar (1964-1985). Criando uma narrativa sem qualquer embasamento histórico, romantiza a repressão militar como uma luta do bem contra o mal e trata o golpe militar como um ato heroico.

O ex-presidente Jair Bolsonaro contribuiu com a propagação do negacionismo, homenageando o coronel do Exército Carlos Brilhante Ustra, amplamente conhecido no Brasil como torturador durante o regime militar. Passou também a comemorar a data do golpe militar de 30 de maio de 1964 como “marco histórico da evolução política brasileira”.

 

 

CURIOSIDADES 

Jaime Almeida Paiva, pai de Rubens Paiva, foi o fazendeiro mais rico da cidade de Eldorado, no Estado de São Paulo, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro viveu dos 11 aos 18 anos. Jaime foi também prefeito de Eldorado. 

Segundo uma reportagem da BBC News Brasil, que esteve em Eldorado e entrevistou alguns habitantes que conheceram as famílias Paiva e Bolsonaro, o menino Jair não frequentava a casa de seu contemporâneo Rubens, mas roubava laranjas na propriedade de seu avô Jaime Paiva.

Grande crítico de Rubens Paiva, Bolsonaro chegou a negar que Paiva tenha sido assassinado pelo regime militar, apesar da conclusão da Comissão Nacional da verdade ter confirmado o fato e apontado o ex-tenente do Exército, Antônio Fernando Hughes de Carvalho, como autor do crime. 

Chico Paiva Avelino, neto de Rubens Paiva, conta que durante a cerimônia de inauguração da estátua em homenagem ao avô desaparecido, após a conclusão da Comissão da Verdade, em 2014, Bolsonaro cuspiu no monumento e xingou o homenageado: “‘Rubens Paiva teve o que mereceu, seu comunista desgraçado, vagabundo!”.

ASSASSINADO - O deputado Rubens Paiva: corpo nunca foi encontrado

O deputado Rubens Paiva: seu corpo nunca foi encontrado (Arquivo pessoal)

Rubens Paiva, engenheiro civil, empresário e deputado federal, se opôs à ditadura militar implantada no Brasil em 1964. Logo após o golpe, foi cassado e durante 9 meses exilou-se voluntariamente na Iugoslávia e, depois, em Paris.

 

Claudia de Carvalho Cavicchia